Cenário Brasil

 

Apesar do fato de que, no Brasil, toda e qualquer relação sexual com pessoas com menos de 14 anos é considerada estupro presumido, e de que o aborto é legalizado em casos de gestação decorrentes de violência sexual, é alarmante o número de crianças e adolescentes de até 14 anos que dão à luz todos os anos.

Um estudo da Rede Feminista de Saúde de 2021 [1], com amplitude nacional, revelou que, entre 2010 e 2019, houve uma média de 25 mil nascidos vivos por ano de crianças com menos de 14 anos, além de 12 casos de meninas com menos de 10 anos que pariram. Esse número representa uma taxa de meninas-mães de 0,9% e uma média de 69 estupros presumidos por dia no país.

A gravidez na infância e na adolescência afeta crianças e adolescentes de diferentes formas. Do número de crianças e adolescentes que pariram entre 2010 e 2019, 71,1 % eram de raça/cor negra (preta e pardas) e as regiões Norte e Nordeste tiveram as maiores concentrações de nascidos vivos de crianças e adolescentes com menos de 14 anos, com taxas de 1,5% e 1,2%, respectivamente. Ainda, 19% das crianças-mães viviam em união estável e 1,3% eram casadas, a despeito de terem menos de 14 anos. Aproximadamente 63,8% das crianças-mães mapeadas pelo estudo tinham ensino fundamental incompleto, e 6,2% delas não tinham nenhuma escolaridade ou até 3 anos de estudo, apenas.

Das crianças e adolescentes que pariram
entre 2010 e 2019

Para além do número de gestações e partos na infância e na adolescência, com distribuição desproporcional em termos de raça e região do país, o fenômeno apresenta riscos mais contundentes para crianças e adolescentes. O estudo da Rede Feminista de Saúde apontou, entre 2010 e 2019, uma taxa de 38% de partos cesarianos, em contraste à taxa máxima de 15% recomendada pela OMS. Em Rondônia e Goiás, esse dado é ainda mais grave, atingindo cerca de 50%.

Uma atualização do mesmo estudo realizada em 2023 pela Rede Feminista de Saúde [2] demonstrou uma redução progressiva no número de nascidos vivos de crianças e adolescentes com menos de 14 anos, com a observação de que tal redução tem um ritmo desacelerado nas regiões Norte e Nordeste. Destaca-se que são dados ainda alarmantes se considerarmos que a gestação e o parto nesta faixa etária apresentam alto risco à saúde física, psicológica e social dessas crianças e adolescentes.

Em atenção à gravidade desse cenário de inacesso a direitos sexuais e reprodutivos por crianças e adolescentes e partindo da compreensão de que é nos municípios e territórios que as políticas públicas mais próximas de crianças e adolescentes falham em prevenir a violência sexual e a gestação na infância, o Observatório Criança Não é Mãe levantou os dados relacionados à gestação na infância e adolescência no município de São Paulo, o mais populoso da América Latina. 

Assim como na pesquisa da Rede Feminista de Saúde, os dados desta seção foram extraídos do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), um sistema implantado oficialmente a partir de 1990, com o objetivo de coletar dados sobre os nascimentos informados em todo território nacional e fornecer dados sobre natalidade para todos os níveis do Sistema de Saúde.

A seguir, você terá acesso aos dados a partir de duas perspectivas: o perfil da criança ou adolescente vítima de violência sexual que pariu, com indicadores de idade, raça/cor, estado civil, escolaridade, ocupação e idade do genitor; e, depois, o perfil da gestação, com indicadores de quantidade de gestações, número de consultas de pré-natal, tipo de gestação, tipo de parto e peso ao nascer.

Cenário São Paulo

O levantamento de dados sobre crianças e adolescentes vítimas de violência que passaram por uma gestação revela um cenário alarmante e sensível, que exige atenção e políticas públicas específicas. No total, entre 2019 e 2023, foram registrados 1.765 nascidos vivos de meninas vítimas de violência no município de São Paulo.

Perfil da criança

A maior parte das crianças tinha entre 13 e 14 anos no momento do parto, totalizando 1.730 casos. Dessas, 1.442 tinham 14 anos, e 288 tinham 13 anos.

Em relação à cor/raça declarada, a esmagadora maioria das meninas é parda: 1.009 dos 1.730 casos, o que corresponde a aproximadamente 58,3% do total. Além disso, 138 meninas eram pretas, 582 eram brancas, 10 eram indígenas e 3 eram amarelas. Esse dado, que reproduz o padrão nacional, reforça a necessidade de olhar interseccional para o problema, considerando que a raça deve ser um fator determinante para a elaboração e direcionamento de políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.

Quanto à escolaridade, observa-se que a maioria estava em estágios intermediários de formação: 676 tinham entre 4 e 7 anos de estudo, e 1.071 entre 8 e 11 anos de estudo. Entre as meninas de 13 e 14 anos, 642 tinham entre 4 e 7 anos de estudo, o que sugere que parte delas estivesse em situação de distorção idade-série [3], ou seja, com dois ou mais anos de atraso escolar. Destas, 455 eram pretas ou pardas.

Outro dado preocupante é que a maioria delas (1.750 casos) apresentava ocupação desconhecida, o que indica as lacunas na coleta de informações, dificultando a análise de dados de exploração econômica dessas meninas.

No que diz respeito aos genitores dos recém-nascidos, que, por premissa, mantiveram relação sexual com criança ou adolescente com menos de 14 anos – o que pode levar à responsabilização criminal pela prática de estupro de vulnerável – os dados apontam para o desconhecimento de seu perfil: 97,3% (1.682 casos) têm idade desconhecida. Entre os casos com idade identificada, a maioria tinha entre 18 e 24 anos (48), evidenciando a diferença etária significativa entre as crianças que pariram e os genitores dos recém-nascidos.

Esses números escancaram a vulnerabilidade de crianças e adolescentes vítimas de violência, destacando, ainda mais, a urgência de ações integradas para prevenção, acolhimento e apoio a crianças em situação de violência sexual e gestação na infância e na adolescência.

Cenário São Paulo

O levantamento de dados sobre crianças e adolescentes vítimas de violência que passaram por uma gestação revela um cenário alarmante e sensível, que exige atenção e políticas públicas específicas. No total, entre 2019 e 2023, foram registrados 1.765 nascidos vivos de meninas vítimas de violência no município de São Paulo.

Perfil da criança

A maior parte das crianças tinha entre 13 e 14 anos no momento do parto, totalizando 1.730 casos. Dessas, 1.442 tinham 14 anos, e 288 tinham 13 anos.

Em relação à cor/raça declarada, a esmagadora maioria das meninas é parda: 1.009 dos 1.730 casos, o que corresponde a aproximadamente 58,3% do total. Além disso, 138 meninas eram pretas, 582 eram brancas, 10 eram indígenas e 3 eram amarelas. Esse dado, que reproduz o padrão nacional, reforça a necessidade de olhar interseccional para o problema, considerando que a raça deve ser um fator determinante para a elaboração e direcionamento de políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.

Quanto à escolaridade, observa-se que a maioria estava em estágios intermediários de formação: 676 tinham entre 4 e 7 anos de estudo, e 1.071 entre 8 e 11 anos de estudo. Entre as meninas de 13 e 14 anos, 642 tinham entre 4 e 7 anos de estudo, o que sugere que parte delas estivesse em situação de distorção idade-série [3], ou seja, com dois ou mais anos de atraso escolar. Destas, 455 eram pretas ou pardas.

Outro dado preocupante é que a maioria delas (1.750 casos) apresentava ocupação desconhecida, o que indica as lacunas na coleta de informações, dificultando a análise de dados de exploração econômica dessas meninas.

No que diz respeito aos genitores dos recém-nascidos, que, por premissa, mantiveram relação sexual com criança ou adolescente com menos de 14 anos – o que pode levar à responsabilização criminal pela prática de estupro de vulnerável – os dados apontam para o desconhecimento de seu perfil: 97,3% (1.682 casos) têm idade desconhecida. Entre os casos com idade identificada, a maioria tinha entre 18 e 24 anos (48), evidenciando a diferença etária significativa entre as crianças que pariram e os genitores dos recém-nascidos.

Esses números escancaram a vulnerabilidade de crianças e adolescentes vítimas de violência, destacando, ainda mais, a urgência de ações integradas para prevenção, acolhimento e apoio a crianças em situação de violência sexual e gestação na infância e na adolescência.

Perfil da gestação

A avaliação sobre o quanto uma gestação na infância e na adolescência afeta fatores psicossociais de crianças e adolescentes também perpassa a análise do perfil dessas gestações.

Sobre o histórico reprodutivo, 12 crianças já tinham pelo menos um filho nascido vivo anteriormente, enquanto 25 relataram pelo menos um filho nascido morto. Sobre o número de gestações, 35 delas já haviam passado por pelo menos uma gestação anterior e três tinham tido duas gestações anteriores e estavam na terceira. Isso significa que, entre 2019 e 2023, 38 crianças de até 14 anos estavam em, pelo menos, sua segunda gestação.

Embora a maior parte dos casos reportados no período no município de São Paulo sejam de gestação única (1.748 casos), há registro de 16 gestações duplas em crianças de até 14 anos.

Além disso, para avaliar a assistência adequada ao pré-natal [4] dessas crianças e adolescentes, é preciso considerar a diretriz de que o pré-natal adequado é formado por, ao menos, seis consultas. Nesse sentido, no período de 2019 a 2023, no município de São Paulo, das 1765 crianças e adolescentes de até 14 anos que pariram, 51 (quase 3%) não teve acesso a nenhuma consulta de pré-natal e 20,8% delas (368 casos) teve acesso a menos do que cinco consultas, isto é, um cuidado de saúde insuficiente e inadequado. Desses 368 casos, 65,7% são meninas negras (pretas e pardas) e 45% têm escolaridade de até sete anos de estudo – ao passo que, segundo a Unicef [3], crianças de até 13 anos deveriam ter, pelo menos, oito anos de estudo a essa idade.

Se levarmos em conta, ainda, que na faixa etária analisada nesta pesquisa, a gestação é sempre de alto risco, e que isso poderia demandar o acesso a mais consultas de pré-natal, a situação fica ainda mais grave. Cerca de 50% dos casos teve acesso a oito consultas de pré-natal ou menos, mantendo-se o padrão de raça (67%) e de distorção da idade escolar (41,7%).

Referências

[1] Rede Feminista de Saúde. Estudo sobre meninas-mães: implicações sócio-familiares. São Paulo: Rede de Saúde; 2021. Disponível em: https://www.redesaude.org.br/wp-content/uploads/2021/10/Estudo-meninas-maes.pdf

[2] Rede Feminista de Saúde. Estupro de Vulnerável: caracterização de crianças mães e regiões em 2022 - Atualização do Estudo original realizado em 2021 pela Rede Feminista de Saúde referente ao decênio 2010-2019 [Internet]. São Paulo: Rede Feminista de Saúde; 2024. Disponível em: https://www.redesaude.org.br/wp-content/uploads/2024/09/Estudo_-Meninas-ma%CC%83es-em-2022.pdf

[3] UNICEF Brasil. Panorama da distorção idade-série no Brasil [Internet]. São Paulo: UNICEF; 2018. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/media/461/file/Panorama_da_distorcao_idade-serie_no_Brasil.pdf.

[4] Brasil. Ministério da Saúde. Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2001. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd04_13.pdf .